quinta-feira, 26 de março de 2009

Dilemas em ensino de Literatura

Ensinar literatura é ensinar a ler (ampliando a noção de leitura)? Ensinar literatura é destacar o papel de um autor no contexto no qual ele está inserido e, portanto, sua relevância para a Cultura? O papel do ensino de literatura atravessa estas duas questões quando reconhecemos que é fundamental que saibamos provocar a sensibilidade artística de um educando; quando também revelamos a este aluno a forma literária como uma manifestação de arte que equilibra a abstração com a objetividade, o entretenimento com a reflexão; e vemos o quanto também é necessário trabalhar autores que revelem sua importância na formação identitária de um povo, uma vez que são também representantes da tradição. Mas sensibilidade não é só exercitar a capacidade crítica ou a apreciação do objeto artístico. Bem como não só de autores e leituras canônicas a prática do ensino de literatura deve estar ligada.
O Brasil está repleto de diversos exemplos que justificam que as nossas letras podem se aproximar muito de universos mais objetivos e concretos para aquele que lê, tanto na narrativa quanto na lírica. Temos aí Rubem Fonseca e Vinicius de Moraes, por exemplo. Ensina-se literatura para valorizar a importância que tem o ato da leitura e da escrita criativa, inventiva, que modifica aquele que lê, que transforma, apreende o seu entorno e devolve-o filtrado pela beleza do verso, das belas palavras, das palavras certas nos lugares certos. Ensina-se literatura para que tantos representantes de nossa cultura mantenham-se vivos na memória pela sua importância histórica, pelo valor que cumpriram ou cumprem como formadores de opinião, fomentadores da reflexão, enfim, sua importância na sociedade. Trabalha-se arduamente sobre a obra literária para que se observe o quanto é possível nos conhecermos melhor, pois é quando vemos toda a gama de sensações impressa por um autor para falar de si e de suas sensações, que vemos o quanto somos complexos e nada indiferentes, ainda que tentemos. Para tanto, é necessária uma aproximação do leitor com a obra literária – a tarefa mais difícil do professor de Literatura do Ensino Médio. E, muitas vezes, dentro de uma sala de aula, nossas convicções (decorrentes de preparação prévia, coleta de material, etc.) são confrontadas com uma realidade que não dá mais tanto valor aos livros e à arte.
Propomos esta reflexão frente, também, a uma crônica de Martha Medeiros que muito sintetiza aquilo que deveríamos pensar sobre o que é refletir sobre a leitura e a obra artística literária, principalmente na sala de aula. E convidamos todos a participarem dessa discussão!

“Se eu tivesse que dar um conselho, diria aos mais jovens: não façam ‘literatice’. O brasileiro é fascinado pelo chocalho da palavra.”
Nelson Rodrigues

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"Aula de Literatura", Martha Medeiros

Todo escritor que tenha sido entrevistado meia dúzia de vezes já passou pela indefectível pergunta: os professores devem obrigar seus alunos a lerem determinados livros? Já pensei mil vezes nesta questão. Quando estudante, eu era rata de biblioteca, mas confesso que me aborrecia quando o tema de casa era ler um livro que não estava nos meus planos. Tinha de tudo nesta recusa: um pouco de rebeldia, um pouco de preguiça e muito de ignorância. Afinal, se lemos livros de álgebra, biologia e história natural sem achar que o professor está sendo autoritário, por que um Guimarães Rosa ou um Machado de Assis provocam tanta polêmica?

Porque o livro de ficção está associado à arte, e arte é escolha. Não recebemos aulas sobre Fellini ou Hitchock na escola. Não aprendemos nada sobre Beethoven ou Beatles no colégio. A obra de Matisse e Renoir não cai nas provas. Por que só a literatura está no currículo?

Talvez porque a literatura continue sendo fundamental para a formação do indivíduo. Música, cinema, dança, pintura e outros tipos de manifestações artísticas acabam sendo, injustamente, designadas de “conhecimento geral”. Já a literatura está além do prazer. Ela nos ensina, antes de mais nada, a escrever, e isso já bastaria para colocar qualquer livro como complemento indispensável da cartilha. Além disso, os livros ensinam a sonhar, a olhar para dentro, a reconhecer sentimentos, a assimilar culturas. Ensinam geografia, história, português. Ajudam a formar o caráter e preparam para a vida.

Não é na escola que se aprende a ter amor pelos livros. É em casa, convivendo com eles desde criança, seguindo o exemplo de nossos pais. Mas a escola pode e deve incentivar o hábito, não porque cai no vestibular, mas porque a literatura é a base do ensino. É lendo livros de Direito Penal que serão formados os futuros criminalistas, é lendo livros de Odontologia que se aperfeiçoarão os dentistas de amanhã, é pelos livros didáticos que começam a se formar jornalistas, professores, cientistas, arquitetos, pedagogos e demais profissionais deste país.

Muito bem, mas por que José de Alencar e não Maria Mariana? É claro que o adolescente tem o direito de fazer suas próprias escolhas, e há boa literatura para todas as idades. Nada contra os novos autores, tão jovens quanto seus leitores, que falam a mesma língua e tratam das mesmas angústias. Mas isso não significa que Josué Guimarães ou um Érico Veríssimo também não possam encantar os menores de 18 anos. O importante é abrir o leque de opções, apresentar aos estudantes todo tipo de literatura, de preferência a de melhor qualidade, porque só conhecendo diversos autores e estilos é que ele poderá, mais tarde, selecionar os seus preferidos.

Quando eu freqüentava as aulas de matemática, já intuía que os logaritmos e as equações fracionárias não me fariam falta no futuro, mas o professor não podia adivinhar qual o caminho que eu iria seguir, se o das ciências humanas ou exatas, e por isso tinha a obrigação de me ensinar aquilo que poderia vir a ser útil em minha vida, deixando para mim a responsabilidade de abandonar estas lições em algum canto do cérebro, caso não precisasse mais delas. O que os professores de literatura querem, quando exigem que seus alunos leiam os clássicos da literatura brasileira e universal, é estimular a discussão de idéias e ajudá-los a compreender melhor o mundo em que vivem. Que cumpra-se o currículo. Se alguém achar chato, terá a vida pela frente para ler apenas os neurolingüístas, peregrinos, bruxas e outras maravilhas da atualidade.

In.: Top Less. Porto Alegre: LP&M, 2002, p. 86.

2 comentários:

Anônimo disse...

Hau! Baita bola meu bruxo! Nunca diga que dessa água tu nunca beberás, porque um dia tu beberás.


Não espere a dor para depois acreditar em oração.

Não espero o luto para depois saber o quão a pessoa era importante para você.

Feitoria sooor!

Carol'cut disse...

o Vini sempre arrasa (=