sexta-feira, 6 de abril de 2012

O Poe nosso de cada dia

Resgatar antigas preferências é um hábito que gosto de preservar. Uma nostalgia quase romântica invade meu ser quando revejo, praticamente em todos os anos, por exemplo, a trilogia De Volta para o Futuro, que só fica mais genial com o passar do tempo; Conta comigo, outro "clássico" dos anos 80, ainda é um filme que também me emociona; outro dia desses também revi O Clube dos Cinco, do John Hughes e, exceto por uma sequência musical, trata-se de uma obra que, igualmente, ainda não é datada, pois fala de questões universais - uma prova disso é que teve uma montagem para o teatro recentemente, adaptando questões tão somente pontuais. Apesar das citações, apenas nasci nos anos 1980. Acabei, contudo, criando-me com referências como essas, tanto musicais quanto fílmicas, recheadas de penteados esquisitos e moda new wave - acho que tem a ver com o meu irmão mais velho e com a programação da "Sessão da Tarde" até a primeira metade dos anos 90.
Em casos diferentes dessa carinhosa nostalgia que sentimos, surgem outras formas de resgate, que demonstram a importância de preservar as sensações e lembranças do passado (e no passado) mesmo; nessas situações, a questão é que é melhor evitar resgatar para não estragar as boas memórias. Uma leitura que te emocionou na infância ou na adolescência, por exemplo, pode se mostrar frustrante anos depois, seja em questões técnicas, seja em seu conteúdo subjetivo - que pode acabar perdendo considerável força. Isso nunca aconteceu comigo quando o assunto foi Edgar Allan Poe. E tenho certeza que todos que se tornaram seus leitores devem ter a mesma sensação.
Acontece que recentemente houve uma convergência de necessidades: precisei eu ler Poe para uma cadeira do mestrado, justamente no mesmo momento em que trabalhava "Os Crimes da Rua Morgue" com meus alunos e produzia um artigo sobre a HQ A Liga Extraordinária, de Alan Moore e Kevin O'Neill, que cita o mesmo conto em sua narrativa povoada por outras intertextualidades; uma das leituras pra a cadeira consistia em "A Carta Roubada", outra história protagonizada pelo detetive Auguste Dupin de "Os Crimes da Rua Morgue", uma feliz coincidência que auxiliou no debate com a gurizada e na produção do artigo. A última vez que tinha lido Poe com atenção fora em 2009, na ocasião também devido à seleção de leitura para uma turma do primeiro ano do Ensino Médio. Fato é que 4 situações distintas se relacionam às minhas leituras mais ávidas de Poe: a primeira, aos 12 anos, quando ganhei do meu pai uma coletânea feita pela Ática, da coleção "Eu leio"; a segunda já na faculdade de Letras, no segundo semestre; na terceira ocasião, já era professor; a quarta é esta, em 2012, com 25 anos, onde convergem todas essas experiências: acadêmicas, profissionais e da "leitura por ela mesma", visto que ler o autor é sempre um convite que não vem limitado a somente um ou outro texto, pois Poe parece ser permanente (e necessário!).
Reler "A Carta Roubada" me fez querer, logo, retomar a leitura de "...Rua Morgue" antes mesmo do trabalho com os alunos, o que me fez reler outros contos, entre eles "O Poço e o Pêndulo", um dos meus preferidos. Engraçado que, na medida em que nossa maturidade como leitor cresce, crescem, igualmente, nossas expectativas e, sem dúvida, nos tornamos leitores mais chatos. Abri este conto na primeira página e pensei: "e se eu não achar ele tão bom?", afinal, há coisas no campo do fantástico, do terror e do suspense que podem soar tão ridículas, tão sem graça anos depois... E não é que ele ainda é ótimo! Que sensação agradável a de dizer que um escritor que fez muito sentido há tantos anos pode, ainda, suscitar a surpresa, bem como a constatação de sua genialidade e a felicidade por ter vivido uma experiência artística de imenso prazer.
E aí vêm aquelas outras constatações: apesar da frustração do (atenção: spoiler!) orangotango assassino de "Os Crimes da Rua Morgue", como é interessante notar que alunos de 14/15 anos têm capacidade de articular comentários tão perspicazes sobre um autor tão notavelmente genial e academicamente prestigiado. E as referências que eles próprios trazem tornam o autor ainda maior, mostram que ele foi capaz de introduzir elementos ainda recorrentes nas narrativas de terror, suspense e nas histórias policiais (foi só citar "O Poço e o Pêndulo" para alguém falar de Jogos Mortais, por exemplo - tudo a ver!). Isso mostra o quanto subestimamos, muitas vezes, essa gurizada; e mostra também a qualidade inquestionável de Poe! Edgar Allan Poe é eterno! É perene! E se ainda faz sentido, não só para mim, mas para outros que o experimentam agora pela primera vez, é porque suas criações têm algo além do normal, o que certamente o autor não deixaria passar: apontaria como uma "maldição", uma força sobrenatural - a humanidade está fadada a adorá-lo para o resto de sua existência, ou enquanto ainda existirem leitores; os que o leem, para sempre o lerão e para sempre se sentirão satisfeitos com suas ideias macabras, sinistras, teríveis, doentias, conflitando-se moralmente com tal prazer (o prazer sádico de "O Poço e o Pêndulo", por exemplo); ao lê-lo, você será, eternamente, seu seguidor e jamais conseguirá considerá-lo limitado, ultrapassado, medíocre, pois ler Poe significa nunca ficar indiferente.
Todo esse resgate de Edgar Allan Poe fez com que eu lembrasse de uma antiga adaptação de "O Coração Delator", um belíssimo curta metragem de 1953. Acredito que seja uma das melhores das muitas versões cinematográficas de suas obras - porém, uma das menos conhecidas. Trata-se de uma animação muito bem produzida, adaptada de um conto que traz situações exemplares das narrativas do autor - que, claro, eu não vou contar quais são (estamos falando de uma história de suspense, ora essa!), veja você mesmo, vale muito a pena (atenção: há um erro grotesco na tradução da legenda logo no início, pois afirma-se que se trata de uma "história real"; na verdade, o que se quer dizer é que a animação é baseada numa história originalmente escrita por Poe):


*Neste ano, estreará nos cinemas o filme O Corvo, com John Cusack, que
traz Edgar Allan Poe às telas com uma proposta que lembra Os Irmãos
Grimm, de Terry Gilliam: o autor é agora personagem, dentro de uma história
que lembra muito suas próprias criações, principalmente as do campo policial;
Poe é o contista que conhecemos, auxiliando a polícia na investigação dos crimes
de um assassino que mata utilizando referências de suas histórias. O filme
apresenta o escritor a um nova geração, o que se espera que crie, também, novos
leitores. (Confira o trailer: http://www.youtube.com/watch?v=RYgthg-SR2M

terça-feira, 3 de abril de 2012

Pastoreios

Olha só que legal!
Um artigo escrito por mim, Vinicius Rodrigues, para a cadeira de Teoria e Crítica da Literatura Brasileira, do professor Luís Augusto Fischer, no Mestrado em Literatura Brasileira, acabou sendo publicado pelos Cadernos do Insituto de Letras da UFRGS, um dos periódicos acadêmicos de lá. Além da feliz publicação, Rodrigo dMart, um dos autores da obra analisada no artigo - a graphic novel Um Outro Pastoreio - tratou de repercutir o assunto no seu blog:
O artigo, intitulado ""Não conto... Reconto!' Um Outro Pastoreio e o Sincretismo Narrativo", se propõe a discutir esta obra híbrida a partir das noções de tradição, recontagem e a herança carregada das referências de Simões Lopes Neto e da cultura afro-brasileira. A proposta estética do livro de Rodrigo dMart e Indio San possibilita uma leitura ampla de sua estrutura, o que o artigo acaba analisando como algo "sincrético". O trabalho de análise, bem como a própria obra, servem muito bem àqueles que curtem quadrinhos, narrativas gráficas, fábulas, enfim: boas histórias, em suma, bem contadas e, principalmente, ousadas. Segue o link do artigo: