terça-feira, 30 de julho de 2013

Fernando Pessoa, heterônimos e "O Guardador de Rebanhos".

FERNANDO PESSOA (1888-1935) é um autor português do Modernismo, portanto, do início do século XX. Sua poética está, pois, vinculada aos "ismos" vanguardistas. Sua obra, no entanto, diferencia-se de todas as outras, pois forja os HETERÔNIMOS. 

Primeiramente, façamos um traçado da vida do autor: perdeu o pai e o irmão muito cedo, a mãe casou-se novamente e mudaram-se para a África quando Fernando tinha apenas 2 anos. Formado distante de seu país, iniciado e desenvolvido em outra língua, o inglês, Pessoa aprende a natureza de sentir-se à margem do mundo, sentimento que lhe infere a alma corrosivamente a ponto de não encontrar sintonia na sociedade. Egressa para Inglaterra a fim de inserir-se na universidade, mas não o aceitam e, de volta a Portugal, tentou cursar Letras, mas desistiu. Engajou em duas revistas A Águia, 1910, onde se revelou um ensaísta polêmico e Orpheu, 1915, criando o Orphismo, um movimento que desejava criar uma arte cosmopolita, fortemente intelectualizada e que pudesse acumular dentro de si todas as partes do mundo para tornar-se tipicamente moderna. As duas produções não tiveram fôlego, pois, foi, individualmente, que o poeta se projetou.

Em Pessoa, ele mesmo, sempre se sugestionou um grande descontentamento intimamente ligado à sua percepção de mundo — desencantada. Este tom melancólico o autor fez questão de guardar para si próprio na figura literária que atendia pelo nome “Fernando Pessoa”, talvez por tratar de temas que confrontavam o mundo real.

Fernando Pessoa foi um sujeito extremamente descontextualizado do mundo. Sentia-se assim e vivia assim. Logo, criar outros de si próprio era uma forma de fugir do mundo para encontrar-se, um processo doloroso de autoconhecimento que desafiava os limites da esquizofrenia. É nesse processo criativo que se revela o eu-empírico, o sujeito ideológico, do cotidiano, que vive suas experiências mais mundanas, o oeta em si, o que cria e dá vida ao eu-lírico, o eu do poema, o outro eu de si próprio. Por isso dividimos Fernando Pessoa em muitos: ele é ele mesmo, o ORTÔNIMO (eu-empírico), é suas personalidades literárias e, por fim, seus HETERÔNIMOS (eu-lírico) – Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Ser um heterônimo significa ser outra pessoa, ou seja, são construções poéticas que existem como pessoas porque possuem biografia, profissão, nome próprio e, o mais importante, estilo próprio, ou seja, cada um tem uma percepção do viver, uma personalidade e, assim, uma estética, um fazer literário só seu, uma digital artística. Então, vale lembrar que heterônimo não é o mesmo que pseudônimo, pois, este último, possui apenas nome próprio, sem estilo e biografia próprios.

Pessoa se entende como um "poeta dramático" e considera seus heterônimos como equivalentes a personagens teatrais. "O ponto central da minha personalidade como artista é que sou um poeta dramático; tenho, continuamente, em tudo quanto escrevo, a exaltação íntima do poeta e a despersonalização do dramaturgo. Vôo outro - eis tudo".

A heteronímia é um ato de despersonalização, de tornar-se um outro, construindo, assim, plenamente, a alteridade (processo cultural que nos identifica quanto sujeitos no mundo). Como disse Pessoa, Cada grupo de estados de alma mais aproximados insensivelmente se tornará uma personagem, com estilo próprio, com sentimentos porventura diferentes, até opostos aos típicos do poeta na sua pessoa viva.

Nos links abaixo, você encontrará slides com um breve resumo da obra de Fernando Pessoa, feitos pelo professor Vinicius Rodrigues e o texto integral de "O GUARDADOR DE REBANHOS", DE ALBERTO CAEIRO, considerado o mestre entre os heterônimos pessoanos:

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Aula sobre intertextualidade

Acesse o link para conferir o material elaborado pelo professor Vinicius Rodrigues sobre o conceito de intertextualidade - ao final, há também exercícios:

http://www.4shared.com/office/aOEW1aWx/Intertextualidade.htm

Pré-modernismo

Acesse o link abaixo para fazer o download dos slides sobre o Pré-modernismo - com destaque para alguns dos autores regionalistas do período:

http://www.4shared.com/office/cQMW5gW4/Pr-Modernismo.html

Aproveite para ver uma antiga postagem aqui do DEVANEIO LITERÁRIO feita pela Caroline Becker sobre Jeca Tatu, o icônico personagem de Monteiro Lobato que se tornou figura marcante do imaginário nacional e que surgiu, igualmente, no período pré-modernista:

http://www.devaneioliterario.blogspot.com.br/2008/09/monteio-lobato-foi-uma-personalidade.html

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Aula sobre Vanguardas Europeias

Aos alunos dos professores Vinicius Rodrigues e Caroline Becker, segue um material que sintetiza as ideias das aulas sobre Vanguardas Modernistas na Europa - elaborado a partir de material produzido pelo artista plástico Lucas Strey, nosso parceiro. É só clicar no link para fazer o download do arquivo:

http://www.4shared.com/office/kknlo8Rp/AULA_Vanguardas_europeias.html

*Aproveite para conhecer os projetos, obras e propostas do Atelier Strey e do Realize artecoworking, do nosso amigo Lucas Strey.

Às margens da arte, muito perto das massas.

De Andy Warhol a Jean-Michel Basquiat, parece haver um caminho natural da pop art dos anos 1960 à arte urbana que se manifesta contemporaneamente. Junto disso, os próprios processos artísticos parecem igualar-se na forma como conclamam por sua liberdade de estilo: se latas de sopa e imagens de ícones do cinema serigrafados com múltiplas paletas de cores renovaram a arte moderna, colocando em voga uma possível aproximação com a cultura de massa, o grafite que se expressa nos muros das cidades de hoje manifesta, sem qualquer pudor, influências que vão dos desenhos animados às histórias em quadrinhos de humor e os mangás.
 
Roy Lichtenstein, um dos pais da pop art, já anunciava a atenção à comunicabilidade expressiva da arte sequencial (outro nome dado às HQs) e seu conteúdo gráfico, expresso nas explosões de cores e na hibridização de sua linguagem. Através de uma visão crítica e irônica para com a arte sequencial, Lichtenstein antecipou o diálogo entre a plasticidade das imagens dos quadrinhos com as artes plásticas. Hoje, no entanto, tornou-se até comum ir a uma livraria com acervo de reconhecida qualidade e enxergar belos encadernados luxuosos, com preços tão exorbitantes quanto belas reproduções de quadros de pintores famosos; nesses espaços, os quadrinhos flertam com “alta cultura”, com a “boa literatura” e ganham novos públicos, na mesma medida em que recebem certa “permissão” para circular, deixando de lado velhos tabus e preconceitos. Da mesma forma, muitos grafiteiros deixaram a marginalidade e os guetos, saíram dos subúrbios das metrópoles para invadir os museus e as grandes galerias do mundo todo.
 
Serigrafias de Andy Warhol (1967)
 
 
"M-Maybe", Roy Lichtenstein (esq.) e obra de Jean-Michel Basquiat (dir.)
 
 
Como nos dizeres de Nestor Canclini, grafite e quadrinhos são gêneros artísticos “constitucionalmente híbridos”, tanto estruturalmente quanto à forma de recepção e circulação. E a hibridização de métodos e processos artísticos é uma das máximas da arte contemporânea. Nessa hibridização, fundem-se posturas e conceitos, diluem-se noções antes estabelecidas que agora tornam-se fluidas nos diálogos pós-modernos – por isso, a permanente dificuldade de estabelecer as tendências estéticas contemporâneas para além de discursos genéricos acerca da fragmentação, da instabilidade, da liquidez dos tempos atuais. Nesses dois exemplos – grafite e HQs –, o movimento contemporâneo que os retira da marginalidade (em comparação com outras manifestações já estabelecidas a partir de noções de valor), ao mesmo tempo, estabelece um novo cânone, logo, novos valores para determinadas obras e autores dessas linguagens; a permissividade se estabelece a partir de condições, portanto, arbitrárias, com isso, diluem-se outras relações: por exemplo, se os quadrinhos estão atrelados à comunicação massiva (pois surgem na cultura de massa), hoje tal noção é colocada em xeque, pois tudo pode ser massivo, na mesma medida em que pequenos públicos podem se formar em torno de artistas menores – garantindo a sobrevivência profissional destes, sem a necessidade da mecanização industrial; nas HQs, a relação de valor estético que se estabelece entre determinados autores e graphic novels (rótulo editorial “da moda” que auxilia nesse processo de valoração), segmenta os públicos a ponto de não os tornar, todos, objetos de grande circulação, logo, a noção de cultura de massa, neste caso, desfaz-se.
 
Se a ideia de cultura de massa vem, também, historicamente, para diferenciar as acepções acerca do que é “popular” (pois nem todo “popular” é o que é consumível comercialmente, bem como nem tudo que é popular pertence somente ao folclore ou à tradição), o grafite, no contexto do hip hop como movimento cultural das zonas urbanas, bagunça isso ainda mais. Hoje ainda encarados com preconceito por boa parte da população, os grafiteiros ocuparam a cidade e também o mercado da arte contemporânea, sendo reconhecidos por sua inventividade e gestos de profunda liberdade artística. Esse grafismo urbano tem, também, algumas raízes históricas que ajudam a entendê-lo no momento em que Jean-Michel Basquiat torna-se um artista realmente conhecido a partir dos anos 1980: há um gesto quase simbólico no momento em que Andy Warhol conhece Basquiat e passa a ter sua amizade; é como se as artes houvessem trilhado um caminho natural até chegar nesse ponto – das vanguardas à arte pop, da pop art à street art (de Warhol a Basquiat).

Grafite de Basquiat


É preciso notar, contudo, que o grafite – para além de Basquiat – tem, ainda, um forte vínculo com a cultura hip hop, é um de seus “elementos. O grafite e o hip hop “bagunçam” a dicotomia do “popular” por não serem vinculados diretamente às noções pré-estabelecidas no campo da arte com relação à massa ou à tradição; são, no entanto, vinculados a elas de alguma forma: o grafite, por exemplo, é, a princípio, uma intervenção urbana – em meio à multidão da metrópole, encontra a massa, portanto; também, por outro lado, é igualmente vinculado a uma espécie de tradição pictórica que vem desde as pinturas das cavernas, passando pelas composições nas paredes de Igrejas, nos vitrais, nas tapeçarias, chegando aos muralistas do século XX, como o mexicano Diego Rivera; ao mesmo tempo, seu caráter intervencionista traz outro apelo frequente da arte moderna – um dos mais prestigiados artistas contemporâneos, por exemplo, Banksy, usa e abusa desse conceito, usando tanto o pincel quanto o spray nas ruas de Nova Iorque. O hip hop é a cultura que vem “da rua”, “do gueto”, do subúrbio, enfim, para se manifestar nos grandes centros metropolitanos e ser absorvida por todos; o que não impede que seus elementos sofram movimentos constantes de “pasteurização” até chegarem à massa – ou de “intelectualização” para que  sejam aceitos pela crítica e nas altas esferas eruditas – consequências de sua absorção ou “exigências” para tanto.
 
Obra de Banksy
 
Grafite d'Osgemeos.
 
Grafite d'Osgemeos.
 
 
Assim, mais uma vez, como qualquer fenômeno artístico, as artes se transformam, na medida em que seus públicos também se diversificam. Manifestações periféricas, tidas como marginais, ou ainda outras, tratadas durante décadas como “cultura menor” ou mero entretenimento devido a sua relação com a cultura de massa, repentinamente, passam a ser “aceitas”, “permitidas”. As consequências disso são importantes para a evolução dos fenômenos artísticos, para a formação de um público que possa, enfim, sustentar, literalmente, os autores para que estes continuem investindo na criação. O preço a se pagar por isso é, de fato – sem querer ser redundante, mas já o sendo –, o preço: a noção de valor que vem acompanhada disso, seja ela estética ou de mercado.