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Era lá que tudo acontecia. Já faziam 54 anos que era dessa forma. Cerca de duas semanas antes começava a ser preparada: vinham aqueles que planejavam, aqueles que construíam, aqueles que carregavam e montavam palcos, stands, passarelas e corredores. Depois que tudo estava pronto, os espaços antes vazios passavam a ser ocupados por todo tipo de material cultural possível, dando à praça, antes esquecida, um novo sopro de vida.
No princípio, era somente na praça, que sob suas árvores abrigava os seres curiosos que iam e vinham de um lado para o outro, sedentos por cultura e conhecimento. Depois ela foi crescendo e até nos dias de chuva já eram possíveis estes momentos que eram únicos no ano. Até que pequenos seres aumentaram sua curiosidade e passaram a procura-la incansavelmente, de forma que foi necessário atravessar a rua e explorar a orla do rio, nos inúmeros armazéns do cais do porto.
O que ela mais tinha a oferecer eram livros. De todas as cores, tamanhos, idiomas e valores. O paraíso das letras sempre a encantou e fez com que os outros se encantassem por ela. À medida que foi crescendo, percebeu que o mundo dos livros não acontecia somente em páginas impressas e encapadas. Foi assim que passou a ser visitada pelo teatro, a música, o cinema e até as artes plásticas.
Tornou-se um passeio familiar, um ponto de encontros de amigos, um centro de compras, um lugar que suscitava discussões e estimulava mudanças. Transformou-se em uma cidade dentro de uma praça, um espaço de refúgio para aqueles que, cansados da rotina do trabalho, buscavam um lugar para descansar sem esquecer que também eram compostos por cultura.
Passou a ser aguardada ansiosamente por aqueles que procuravam encontrar seus autores favoritos, tornar-se próximos a eles, conversando e pedindo autógrafos. Também por quem esperava aprender algo não convencional nos diversos cursos que oferecia.
Era quase como um circo itinerante, suscitando todo o tipo de emoção, tanto na sua espera quanto na chegada, encantando pessoas de todos os tipos e idades e trazendo um pouco de alegria e uma aura mágica à natureza cinzenta da cidade. Mas, assim como o circo, chegava uma hora em que era necessário ir embora. Tudo voltava à normalidade: a praça era novamente esquecida, os armazéns do cais despovoados e as pessoas retomavam a ordem natural de suas obrigações.
Sua magia ficava, então, presa nos livros que, quando abertos, despertavam aquele sentimento de um ser curioso que sentava embaixo das árvores para aproveitar a Feira do Livro. Esta sim, depois de ir embora, só lamentava profundamente ser tão sozinha em uma cidade com tantas criaturas sedentas por cultura.
Debaixo das árvores frondosas
Presenteada com um sopro suave,
Ela acontecia.
Embalada pelas águas do rio
Aquecida por um sol ardente,
Ela movimentava mentes.
Por sua forte personalidade
Por ser capaz de criar idéias
Ela graciosamente destoava
Da cinzenta cidade
Com muitos carros nas ruas
E bêbados nas praças.
Sua macia intensidade
Sua magnífica diversidade
Lembrava que não se perdera tudo
Lembrava que ainda não se conquistara tudo
Era muito mais que uma feira
Era muito mais que apenas livros
Era tudo
Que logo será nada
E terá que se esperar um ano inteiro
Para que volte a ser tudo outra vez.
Ana Carolina Lersch Eidam
Um comentário:
Parabéns para a autora! Parece que tem futuro nas letras!
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