De volta ao DEVANEIO LITERÁRIO, minha ex-aluna, hoje colega de trabalho, Ana Carolina foi (ao mesmo tempo amigável e forçosamente) convidada a escrever uma resenha sobre a montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, que passou recentemente por Porto Alegre. Dirigida por Gabriel Villela e composta por elenco estelar, com Marcello Antony, Leandra Leal e Vera Zimmermann nos papéis principais, a peça traz achados que, ao mesmo tempo que recuperam o texto original em toda a sua excelência, consagrando o papel de Nelson como nosso maior e mais importante dramaturgo de todos os tempos, dão novo olhar a alguns aspectos antes apenas sugeridos e outros sequer imaginados, demonstrando que o respeito e a fidelidade ao texto, no teatro, não são as marcas que mais sustentam uma montagem teatral, pois essa deve trazer algo novo para justificar a sua existência. Dentre carnavalização, uso do bolero e samba-canção, entre outros elementos, Ana escolheu... O plástico.
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Aos vinte e três dias do mês de agosto desse ano, o clássico de Nelson Rodrigues Vestido de Noiva assumiu uma nova roupagem, ao menos para mim. Muito além do grande elenco que compunha a peça e sua incrível interpretação, dos cenários e figurinos muito bem elaborados, o que mais chamou a atenção foi, sem dúvida, o véu da noiva.
A loucura das idas e vindas no tempo, as confusões de Alaíde, os passeios no subconsciente de Madame Clessi, tudo isso compõe a complexidade do texto de Nelson e o torna único. A mistura de planos da realidade, memória e alucinação expõem, aos que conseguem acompanhar, as possibilidades e impossibilidades da mente humana que pode, em um instante, perder completamente o nexo e ir por caminhos inimagináveis. Ao longo da peça, Nelson desdobra uma história a princípio completamente sem sentido que vai se tornando uma teia de histórias cruzadas, refletindo a podridão das relações humanas, muitas vezes mais malucas que o próprio delírio de Alaíde.
E a peça fez jus ao texto. Não que tenha sido perfeita, longe disso. Até porque a minha Lúcia seria muito mais intensa, humana e imperfeita e o Pedro muito menos “abobado” e muito mais esperto. Sem perder, no entanto, a integralidade do texto, as imperfeições trouxeram um novo tom para a peça, juntamente com o cenário no qual os atores participavam e, é claro, o véu da noiva.
A genialidade de ter utilizado um simples plástico de bolhas para trazer toda a idéia da peça, da fragilidade das relações humanas e, principalmente, do amor e do casamento, deve-se ao fato de ter criado, inconscientemente, a idéia dessas sensíveis relações que tão facilmente como o plástico perdem a graça, o sentido e as bolhas. O plástico que, assim como o véu da noiva, servia para guardar e preservar algo valioso, tão logo perde sua utilidade e torna-se comum como qualquer outro.
Tudo isso mesclado com uma ótima trilha sonora, a fidelidade à obra e o clima tenso criado ao longo da peça, fizeram desse espetáculo não apenas mais um dentre os tantos que criam e recriam Nelson Rodrigues, mas algo tão único como o seu autor. Acabaram-se as bolhas, fica o desejo de ver algo assim novamente.
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