Cantor, compositor, dramaturgo, escritor, um pensador até... Certa vez uma amiga minha disse: "Chico Buarque é uma espécie de Aristóteles brasileiro". Brincadeiras hiperbólicas à parte, Buarque saltou do hall de grande gênio pós-Bossa Nova para se tornar esta que, hoje, seja talvez a maior referência intelectual do nosso país. E não é porque é cosmopolita na sua participação no meio artístico - até porque, musicalmente, Chico é um revisor da tradição, o extremo oposto de um Caetano Veloso, por exemplo, que se reinventa constantemente, sempre na busca pelo novo. Mas Chico é algo interessante de se analisar... Além de todas as suas atribuições e contribuições para a história cultural do Brasil recente ele é... Bonito (?!). Sim, é um galã para muitas, "o Felipe Dylon das quarentonas", como ironizou certa feita Juremir Machado da Silva.
Fato é que a passagem de Chico Buarque pela Festa Literária Internacional de Paraty justifica sua colocação no Olimpo das letras nacionais. Nessa cidade da literatura, ele é o rei! Sua presença é um evento! Numa era tão sem referências como a nossa, o exemplo de Buarque faz pensar como os mitos são criados em nossa sociedade: sua genialidade ultrapassa os limites da razão, pois consegue, mesmo numa tão recente e curta incursão pelo romance, criar obras magníficas, de notável apuro estético e narrativo, em que uma consegue reverter expectativas da anterior, promovendo algo sempre original (até mesmo se comparadas com seu papel na canção). E estamos falando do homem que compôs obras-primas irretocáveis como "Construção", "Folhetim", "Eu te amo" e tantas outras; que participou da renovação do teatro brasileiro com Gota D'água e Calabar e que, simplesmente, tornou-se uma referência de embate com a repressão durante a ditadura militar na luta pela liberdade de expressão. Com esse currículo, já temos a receita para se fazer um herói dentro da cultura. Mas o homem não cansa e dedica-se também à literatura, justamente em um gênero hoje pouco produzido, pelo esmero necessário à sua criação, e pouco lido, pelas inúmeras atrações que rivalizam com ele nesse espetáculo da modernidade: o romance. Nesse sentido, Chico reinventa sua carreira à sua maneira. E lá vão mais genialidades: Estorvo, Benjamin... E o cara ainda é best-seller (!).
O sucesso comercial de Chico Buarque, principalmente em seu último livro, Leite Derramado, obviamente se deve a um excelente movimento de promoção editorial, mas não há dúvida de seu talento. Só isso justifica a mobilização que ele produz num evento desse tipo: os ingressos para a mesa de discussão em que ele participaria esgotaram-se em poucas horas, um mês antes da FLIP iniciar. A mera ideia da presença do compositor causa histeria em fãs que, dadas as suas feições de mães e pais de família, parecem patéticos, mas a idolatria é como a fé, e esses são elementos absurdamente irracionais. Posso estar errado, mas acredito que Chico nunca foi tão unânime quanto hoje; seu sucesso nunca foi tão presente quanto hoje; talvez ele mesmo só esteja vendo seu sucesso comercial, realmente, hoje, justamente porque necessitamos de referências como ele, tão precisamente geniais, tão idôneas.
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Na noite do dia 3 de Julho, temos um circo armado. Uma sala: lotada; um espaço para ver a tal mesa de debate no telão: lotado; o mediador da mesa avisa que os autores autografarão seus livros em seguida, em quatidade limitada: histeria, corre-corre... Uma fila de autógrafos cheia, lotada, antes mesmo de iniciarem-se os trabalhos. Analiso o contexto e penso: "Milton Hatoum... Ele é o outro cara da mesa do Chico... Apenas isso: aqui ele é o outro cara. Será que ele se dá conta disso? Putz, ele escreveu Dois Irmãos, uma obra-prima... Será que alguém está aqui para ouvir ele? Será que alguém vai autografar algum livro seu também...?".
Trata-se de um testemunho: testemunhamos a afirmação de um ídolo. Tão grande quanto Michael Jackson, tão distinto e reverenciado quanto Madonna, tão permanente quanto Beatles, U2 e Rolling Stones. Lá, em Paraty, na terra dos livros, Chico Buarque é pop - é o rei do pop! (Aposto que se ele andasse caminhando pelo calçadão de Copacabana nem seria notado.)
Ah! Quanto aos autógrafos, não fiquei para ver, mas parece que Buarque só autografou 150 livros, a histeria causada em torno de sua presença atrasou o show de Francis Hime & Olivia Hime, o que me deixou um pouco irritado. Espero que Milton Hatoum tenha autografado algum livro, mesmo que tenha sido uma dedicatória em algum exemplar de Leite Derramado - toda essa catarse social tornou o cara um pouco mais simpático para mim.
Um comentário:
Gostei muito do que tu escreveu. Parabéns!
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