terça-feira, 12 de agosto de 2008

“Os ‘velhos’ pretendem a arte-habilidade; os 'novos' pretendem a arte-sonho”


“O Nefelibatismo” é, na verdade, um trecho selecionado de uma das entrevistas realizadas por João do Rio*. O jornalista conversava, na ocasião, com Gustavo Santiago, um autor brasileiro dedicado ao Simbolismo e à defesa dessa proposta estética.

O NEFELIBATISMO
"— No que importa à prosa e à poesia contemporâneas, separadamente, parece-lhe que no momento atual, no Brasil, atravessamos um período estacionário? Haverá novas escolas? Haverá luta entre escolas antigas e modernas?
— No que refere à poesia, ou, melhor, ao verso, julgo não errar, assegurando ser o momento de luta. Há, de um lado, o parnasianismo, que, agonizante, a debater-se nas vascas da morte, tenta por todas as formas resistir, apegando-se até à tabua de salvação de todas as inteligências extintas do classicismo; há de outro lado, o que, de maneira geral, se convencionou denominar no Brasil e em Portugal nefelibatismo, e que tão desastradamente tem sido interpretado e compreendido entre nós. (...) Não estamos no verso estacionário; as duas coortes em frente provam o inverso, a atividade. Enquanto os parnasianos, unidos aos clássicos e aos românticos, que ainda os há, querem o statu quo, a conservação de fórmulas que o tempo e o uso imoderado tornaram imorais, como o adjetivo com a acepção rigorosa do dicionário, o número de sílabas muito de acordo com os compêndios, os acentos muito direitinhos nos respectivos lugares, a imagem muito terra-a-terra, a suportar a análise do burguês, a rastejar, a rima a opulentar-se ridiculamente num trabalho todo de paciência e rebuscamento por alfarrábios e empoados cadernos de sacristia, — os nefelibatas, insurgindo-se, arremetem contra tudo isso, na prédica do verso livre, na afirmação alta da imagem com asas, pairando inacessível em regiões estelares, em mundos outros que não os devassáveis pelo olho filisteu. Os 'velhos' pretendem a arte-habilidade; os 'novos' pretendem a arte-sonho. Os primeiros, partindo do ponto de vista falso de que a paisagem nada mais é do que um quadro, de que o homem nada mais é do que um simples animal obedecendo estritamente às leis biofisiológicas, que governam todos os outros, baniram da arte a emoção, o sentimento, a jungi-la ao termo preciso, a senhoreá-la à descritiva, a nivelá-la à fotografia. Os segundos, tomando como verdade o pensamento de Amiel, de que a paisagem nada mais é senão um estado de alma e de que o homem, com ser um animal, não é menos um coração, nem menos um espírito, procuram reintegrar a emoção, recolocar no altar o sentimento. (...).
Na poesia, pois, e em resumo, eu diviso duas orientações diferentes, em antagonismo, disputando-se valorosamente o predomínio do momento, ainda que sem fragor, nem escândalo — o parnasianismo e o nefelibatismo —, o primeiro, correspondendo, na ordem filosófica, ao materialismo; o segundo ao espiritualismo. (...)."

A discussão Parnasianismo X Simbolismo está em pauta. Não interessa, portanto, apenas aos livros didáticos pensar os contrastes entre as duas correntes estéticas: os autores e os jornalistas do século XIX interessavam-se pela análise de suas oposições e aproximações. Gustavo Santiago sintetiza, talvez de maneira tendenciosa - afinal, ele era um autor Decadentista - as principais tendências desses dois Movimentos Literários. Podemos indagar: afinal, qual é a importância desta reflexão? As palavras de João do Rio, enunciadas na introdução do livro, indicam que a observação da produção literária era um meio para compreensão da cultura nacional.


* João do Rio era o pseudônimo usado pelo jornalista, cronista, contista e teatrólogo, Paulo Barreto (1881-1921). O excerto acima foi retirada do livro “O Momento Literário”, publicado em 1907. Nesta obra, o jornalista realizou um conjunto de entrevistas realizado com diversos nomes do meio cultural brasileiro do século XIX.

- Referência: RIO, João do. O Momento Literário. Editora Criar, 2006.

2 comentários:

Anônimo disse...

PARABÉNS PELO BLOG!!!
ABRAÇOS!!
LEONARDO LEMES

Celso Rodrigues disse...

Lancemo-nos, pois à sanha das citações, qual o mais belos versos da poesia brasileira?
Eu digo:
"À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido,
Mas virão outros"
Celso