Quando falamos em Modernismo, na Literatura, vale lembrar que, didaticamente, fazemos uma divisão: pensamos o movimento modernista como uma marca entre o Parnasianismo e a nossa modernidade literária. Ele surge como uma proposta em oposição aos ideais estéticos do Parnasianismo, ao mesmo tempo que anuncia pressupostos da poesia de 30 e do romance de 30. Devemos, portanto, observar que o Modernismo, em si, é a concretização, ou formalização, de ideais estéticos livres, ou seja, que priorizam a forma livre e o conteúdo prosaico.
A Semana de Arte Moderna, que, na verdade, resumiu-se a três dias, dá início a esse posicionamento literário e é chamada, muitas vezes, de Primeira Fase Modernista. Após ela, com as marcas essenciais, na literatura, de Oswald de Andrade e de Mário de Andrade, chegamos à maturidade literária.
Adentramos, pois, o que alguns manuais de literatura chamam de Segunda Fase Modernisa, momento em que temos uma forte produção de prosa e de poesia, sem, no entanto, haver uma unidade temática ou estética. Há, sem dúvida, um aspecto convergente: a busca da liberdade formal.
Na poesia, portanto, temos Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles (a primeira mulher a entrar no cânone), Vinicius de Moraes, Mário Quintana, Manuel Bandeira, Murilo Mendes. No romance, o denominado Romance de 30, busca marcas da verossimilhança e, por isso, é chamado, também, de neorealismo. Os autores são diversos e não possuem uma proposta unificada. Entre eles, temos Graciliano Ramos, Raquel de Queirós, Dyonélio Machado, Erico Verissimo, Jorge Amado...
Outro aspecto que vale lembrar são os manifestos, relacionados às propostas da Semana de Arte Moderna. Eles podem ser considerados um gênero textual, no qual os artistas, tanto na Europa (Vanguardas Européias), quanto no Brasil, usaram para anunciar seus ideais estéticos. Abaixo, temos alguns excertos:
MANIFESTO DA POESIA PAU-BRASIL, de Oswald de Andrade (1924)
“A poesia existe nos fatos. Os casebres de afetação e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos (...) Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Ágil e ilógico. Ágil o romance, nascido da invenção. Ágil a poesia. A poesia Pau-Brasil. Ágil e Cândida. Como uma criança (...) A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos (..) Uma única luta – a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação. E a poesia Pau-Brasil, de exportação (...) O trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese, contra a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento teórico, contra a cópia, pela invenção e pela surpresa. Uma nova perspectiva”.
MANIFESTO ANTROPOFÁGICO, de Oswald de Andrade (1928)
“Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente (...) Tupi or not tup that is the question (...) Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago (...) Contra todos os importadores de consciência enlata (...) Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o (...) Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade (...) Contra a memória fonte do costume. A experiência pessoal e renovada”.
PREFÁCIO INTERESSANTÍSSIMO, de Mário de Andrade (1921)
“Leitor, está fundado o Desvairismo. Este prefácio, apesar de interessante, inútil (...) Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu insconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste Prefácio (...) Um pouco de teoria? Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de mdeir tantas sílabas, com acentuação determinada (...) Minhas reivindicações? Liberdade (...) Bilac representa uma fase destrutiva da poesia; porque toda perfeição em arte significa destruição (...) O nosso primitivismo representa uma nova fase construtiva”.
O Modernismo
Rodrigo Gonçalves Beauclair
Doutorando em História Cultural pela UFRJ
“Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos,de todos os coletivismos.De todas as religiões. De todos os tratados de paz.”
Oswald de Andrade
As frases acima compõem o Manifesto Antropófago publicado na Revista de Antropofagia em maio de 1928. Nestas supracitadas frases reverberam a essência de um movimento que no Brasil, iniciado com a Semana de Arte Moderna de 1922, representava uma centelha de expressão do que se chamava de Modernismo, movimento artístico-cultural que mobilizou intelectuais e artistas, tanto na Europa como na América Latina.
O contexto histórico de sua manifestação é marcado pelas transformações tecnológicas e científicas na Europa no correr das primeiras décadas do século XX. Essas mudanças impulsionadas pelo desenvolvimento do capitalismo que entra em crise, dando início à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), encerram a belle époque. No seu lastro eclode a Segunda Guerra (1939-1945), que nos seus anos intermediários desperta o anseio de interpretar e expressar a realidade de forma diferente.
A pujança dessas transformações nas artes visuais era manifestada pelos diversos movimentos que emergiam e constituíam-se na Europa como as vanguardas- o fovismo, o expressionismo, o purismo e o construtivismo. Junto a esses surgiram três que são epítetos dessa atmosfera profícua de criatividade e originalidade estética: o futurismo, liderado pelo italiano Marinetti, exaltava a velocidade e a máquina; o cubismo, proveniente da pintura, buscava fracionar a realidade, remontando-a a seguir através de formas geométricas superpostas; o dadaísmo, liderado por Tristan Tzara, negava a lógica, a coerência e a cultura, como meio de oposição à guerra. O termo dada, que não significa nada, era aplicado à arte como afirmação do não reconhecimento de nenhuma teoria e declarava a morte da beleza; o surrealismo, lançado no ano de 1924, por André Breton, com o Manifesto do Surrealismo, pregava o apego à fantasia, ao sonho e à loucura. Utilizava também como meio de expressão, a escrita automática provocada pelo impulso do artista, que registra tudo o que lhe vem à mente, despreocupado com a lógica.
Na América Latina essa onda plural e multicromada representou uma vigorosa corrente de renovação cultural e estética. Os diferentes grupos, formados por intelectuais e artistas, muitos vindos da Europa, expressaram os conceitos e ideais do modernismo, que se constituía no conhecimento e debates das realidades nacionais através de manifestos, revistas, exposições e conferências. Entre as revistas, as mais significativas foram: Klaxon (1922) e a Revista de Antropofagia (1928), em São Paulo; Actual e El Machete (1924), no México; Martín Fierro (1924), em Buenos Aires, e a Amauta (1926), no Peru. Esse caleidoscópio de manifestações produziu um intenso movimento de busca das raízes e representação dos elementos sociais, culturais e históricos constitutivos do material a ser empregado no desenvolvimento das manifestações estéticas de cunho nacionalista.
No Brasil o modernismo atravessou três fases distintas, caracterizadas por peculiaridades históricas e estéticas: a primeira fase (1922-1930), a segunda fase (1930-1945) e a terceira fase (pós 1945), refletindo os movimentos das conjunturas sociais, econômicas e políticas, tanto interna quanto externa.
A primeira manifestação pública dos modernistas brasileiros foi na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, onde foram realizadas exposições, recitais de poesia, concertos e conferências, que abarcavam temas que evocavam Villa-Lobos, na música, Brecheret na escultura e Di Cavalcanti, Anita Malfatti e outros na pintura. O objetivo manifestado na Semana era o de se opor ao Naturalismo, Parnasianismo e Simbolismo que ainda estavam presente.
Alguns acontecimentos, anteriores a 1922, preparam a trajetória do Modernismo; fatos, especificamente, ligados à estética renovadora, se multiplicam. Em 1912, Oswald de Andrade traz da Europa a novidade futurista; em 1913, o pintor Lasar Segall faz uma exposição negando a pintura acadêmica. Em 1917, a exposição dos quadros de Anita Malfatti, em São Paulo, destacando a pintura expressionista, assimilada na Europa coloca, de um lado, os que apóiam o novo e, de outro, os conservadores.
No ano de realização da Semana de Arte Moderna é fundada a Revista Klaxon, uma revista mensal de arte moderna, de perfil futurista e anunciadora de uma arte de caráter internacional e inspirada na industrialização. Posteriormente, é lançado o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, que usando a expressão “a selva e a escola”, abordava de maneira nova o Brasil a partir de sua cultura mulata e sua atmosfera tropical. Esses elementos evidenciavam o contraste existente com a indústria moderna. A consideração desses elementos culturais e estéticos representava uma mudança de consciência dos poetas e artistas ricos e bem-educados, itinerantes na atmosfera européia e nos seus modos e padrões. Contudo, essa consciência se alarga em 1928 com o Manifesto Antropófago, também de Oswald de Andrade, que nos convidava a devorar nosso colonizador, guardando em seu cerne as contradições do brasileiro: moderno∕primitivo, indústria∕indolência, centralismo∕regionalismo, etc.. É importante destacar o papel de Tarsila de Amaral na pintura neste momento, ilustrando no manifesto supracitado a figura do Abaporu, ícone de sua busca pela expressão das realidades que estavam contidas no que se estavam repensando como Brasil.
A segunda fase do movimento modernista no Brasil, estritamente ligado ao desenvolvimento da geração de 1922, apresenta com evidência o regionalismo, expressado fortemente por meio da poesia e da prosa, mas não desconectado com a conturbada conjuntura internacional. São representantes dessa fase: Mário de Andrade, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, entre outros, na poesia; e José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e Érico Veríssimo, na prosa.
Nos anos posteriores a 1945, no cenário cultural e artístico do Brasil, começa um contra-movimento aos ideais do modernismo disseminados pela geração de 1922, tanto na poesia quanto na prosa.
Na poesia, o concretismo, a poesia-práxis, o poema-processo, o poema-social, a poesia marginal e os músicos-poeta pregam o fim dos elementos da poesia tradicional, o verso e a rima, buscando a exploração dom espaço em branco com a decomposição e relação das palavras. Destacam-se nesse grupo João Cabral de Melo Neto e Cassiano Ricardo. Na prosa, prioriza-se o realismo fantástico e o romance de reportagem, discutindo os conflitos entre o homem e a modernidade. No grupo, destaca-se Clarice Lispector, Guimarães Rosa, como também Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Rubem Braga, entre outros.
O modernismo, como um movimento de longa duração de discussão, crítica e renovação cultural e artística, delineou e difundiu realidades brasileiras e seus personagens dispostos na imensa área geográfica que se denomina Brasil, não significando somente um projeto modernizador, mas construtor de uma possível identidade nacional brasileira.